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Depoimento


Sempre fui seduzida pela pintura. Recém-saída da faculdade, em 1988 utilizei como suporte o papel e a tinta acrílica diluida em trabalhos de pintura com linhas geométricas, matematicamente traçadas, com régua e tiralinhas. O concretismo lógico, intelectual e racional chamava minha atenção na utilização das cores e formas vibrantes, fornecedores de imagens precisas que davam a ilusão de movimento, a arte óptica. Artistas como Ivan Serpa, Waldemar Cordeiro, Geraldo de Barros, Hermelindo Fiaminghi, Maurício Nogueira Lima e Luís Sacilotto foram por mim admirados em suas composições.


A forma pura, limpa, a eliminação do objeto, a harmonia segundo dois movimentos básicos, horizontal e vertical, nesse momento constituíram, para mim, valores de referência e foram fios condutores para o desenvolvimento da pintura que vinha realizando.

Quando a pintura abandona a representação, a tela em branco deixa de ser mero suporte para transcender-se, tornar-se especial, e empresta espaço para o surgimento da obra. Palco de grandes modificações e inovações nas artes e na sociedade, o mundo na época do entre guerras favorecia a abstração. Foi nela que me fixei, porém em época bem posterior.

O trabalho retilíneo deu lugar ao gesto amplo e solto. As cores puras, por sua vez, foram abandonadas na direção de uma busca mais elaborada por tons feitos em ateliê, através do apuro nas misturas entre pigmentos. 

Agia sempre de acordo com suas convicções mais íntimas, o equilíbrio entre razão e emoção, em que movimentos inconscientes e intuitivos deveriam se alternar com movimentos conscientes, cerebrais. Por intermédio da experiência de muitos anos, aprendeu a controlar a pulsão interna, o gesto frenético, a tensão do corpo e o entusiasmo em demasia, canalizando a força criadora, dominando-a em benefício da obra, sem se esgotar. Sábio e disciplinado, construiu com sensibilidade e alma sua trajetória

Conclusão a infância se estrutural de todas as minhas criações, sejam as pinturas, desenhos ou fotografias. De alguma forma, minha biografia está contida nas formas e nas cores dos meus trabalhos. A cena urbana, com seus recortes e silhuetas, estão representadas pela verticalidade, excessos, contrastes e cores utilizadas. Os ícones da grande cidade se apresentam claramente no meio fotográfico, numa amplitude que enfatiza sua representação. A pintura imita o proceder metropolitano na tentativa de controle do desordenado, por meio dos movimentos de construção-desconstrução. O caos citadino e seu grafismo confuso se organizam por meio das linhas dos desenhos. Debruçar-se sobre questões fundamentais em meus trabalhos, pensar sobre elas, discutir suas relações e conhecer suas origens fizeram-me perceber o quanto esse ato pode elucidar questões e dúvidas existentes. Imediatamente, possibilidades começam a surgir, novas propostas insinuam-se para futuros projetos. Respostas sinalizadoras de solução são fruto desse processo. Conhecer profundamente o que fazemos é o primeiro passo para sua evolução. Finalizo este texto consciente de que todas as leituras e reflexões levaram-me na direção de acreditar que todo artista justapõe obra e vida. Seu jeito de ser e pensar se inscreve na obra, e é por esse motivo que o artista mostra a si mesmo, se desnuda a cada exposição de seus trabalhos. A operação da arte, como o ato de viver, é vulnerável ao julgamento, salva pela vantagem de ser ela o fruto de alguém que trabalha o tempo todo o seu espírito, o que faz dele “menos humano”, mais forte. O artista leva consigo diariamente e a todo lugar suas mais importantes ferramentas de trabalho: o olhar e a emoção.

Referências


Matisse e Picasso, Pollock e De Kooning foram suas principais referências artísticas. Guinle, por sua vez, soube destilar seus ensinamentos e convertê-los em substância própria. O “novo”, para ele, era uma reflexão poética do que já existia, do que fora feito. Segundo texto de Ronaldo Brito, do folder da XVII Bienal de 1983, o heroísmo de Guinle estava no diálogo que travou com os gigantes do abstracionismo americano (figura 36).
O excesso, a confusão e o acúmulo atraíam Jorge Guinle como artista. Seu tema era o mundo, a existência. Arte e vida mesclavam-se. Seus desenhos estampam uma quase imagem de realidade. Marcas de sapato e pontas de cigarro que se sobrepõem aos papéis mostram uma performance privada. Alegria, humor e comicidade coincidem em sua obra.
“O habitat natural de Guinle eram as metrópoles, as grandes cidades de horizontes tolhidos, backgrounds caóticos e pouco profundos” (Bach 2001: 49). Suas obras novamente mobilizam a memória da action-painting americana, nas configurações urbanas de Franz Kline. Os escorridos da tinta entram na composição de sua pintura, enfatizando um trabalho de caráter mais vertical, contrapondo-se às pinturas feitas no solo. Considero ter muito em comum com a arte de Guinle, não na alegoria colorista, mas principalmente na direção do olhar cosmopolita, na inspiração no expressionismo abstrato de Pollock e seus seguidores, na maneira corporal de lidar com os materiais pictóricos, no livre exercício de fazer pintura. 

Tomie Ohtake (1913- ), residente no Brasil desde 1937, iniciou sua pintura quase aos 40 anos e, desde logo, compartilhou do processo informalista cultivado entre os pintores da comunidade nipo-brasileira. Reconhecendo a presença de uma ordenação livre e concisa das formas, procurou conter sua expansão lírica, demarcando equilibrados princípios formais e cromáticos com certa geometria intuitiva, diferenciando-se dos demais artistas. A contenção, em Ohtake, é exemplar (figura 30). 

Já em Claude Monet (1840-1926), a finalidade da sua pesquisa artística era exprimir a sensação visual em sua absoluta imediaticidade. Pintando sempre ao ar livre, seu tema de estudo eram as transparências da água e da atmosfera. O artista dissecava as aparências, eternizando o instante refletido, pintando a descontinuidade do tempo. A pintura não deveria, para ele, representar o que está diante dos olhos, e, sim, o que está na retina do pintor. As cores são os elementos construtivos do quadro. Monet estabeleceu uma estrutura radicalmente nova,


Nos seus últimos quadros, o Monet da fase final, da série Nymphéas, nos mostra a mais radical supressão de valores já vista na pintura dessa época, e até hoje influencia artistas interessados na dissolvência da imagem (figura 3). 

Panorama Internacional: O Caminho da Abstração Mais do que traçar um breve panorama histórico da arte, é importante relacionar posturas artísticas e métodos de pesquisa de artistas de renomada potência criativa, empenhados no compromisso de realizar transformações de significativo valor, na busca da expressão como tradução de um pensamento, de um logos íntimo e infinito que dá novo sentido à vida. No espetáculo de pintar como se nunca houvesse pintado, o artista atinge sua plenitude e coloca-se inteiro em seu trabalho. Lança sua obra e a presentifica. Se for bem sucedida, a obra tem o estranho poder de falar por si, toca o observador, sem que se façam necessárias quaisquer justificativas ou uso de palavras. O espectador sai de sua passividade e reconhece na obra o artista. O convite que recebe neste momento é o de ver além do olho, pois tem diante de si uma nova abordagem artística, cujo objetivo é não mais o de mostrar o mundo tal como ele é, mas subvertê-lo, permitindo que a percepção se faça através de todos os órgãos dos sentidos. Essa atitude se verifica e se torna verdade, no momento em que o artista autoriza a si mesmo o uso de uma liberdade criadora pura permitindo que intuição e inconsciente participem do ato criativo. Como a arte não atua apenas no setor estético visual, a modificação se faz sentir nas relações entre homem e sociedade, em sua postura e pensamento


Panorama Internacional: O Caminho da Abstração
Mais do que traçar um breve panorama histórico da arte, é importante relacionar posturas artísticas e métodos de pesquisa de artistas de renomada potência criativa, empenhados no compromisso de realizar transformações de significativo valor, na busca da expressão como tradução de um pensamento, de um logos íntimo e infinito que dá novo sentido à vida. No espetáculo de pintar como se nunca houvesse pintado, o artista atinge sua plenitude e coloca-se inteiro em seu trabalho. Lança sua obra e a presentifica. Se for bem sucedida, a obra tem o estranho poder de falar por si, toca o observador, sem que se façam necessárias quaisquer justificativas ou uso de palavras. O espectador sai de sua passividade e reconhece na obra o artista. O convite que recebe neste momento é o de ver além do olho, pois tem diante de si uma nova abordagem artística, cujo objetivo é não mais o de mostrar o mundo tal como ele é, mas subvertê-lo, permitindo que a percepção se faça através de todos os órgãos dos sentidos. Essa atitude se verifica e se torna verdade, no momento em que o artista autoriza a si mesmo o uso de uma liberdade criadora pura permitindo que intuição e inconsciente participem do ato criativo. Como a arte não atua apenas no setor estético visual, a modificação se faz sentir nas relações entre homem e sociedade, em sua postura e pensamento 

O QUE LEVA UM ARTISTA A PRODUZIR? Essa pergunta vem acompanhando a humanidade desde que a arte existe. Talvez no passado fosse mais fácil respondê-la. A arte era um ofício. Com o advento de construtos como a fotografia, e com os ensinamentos do impressionismo, expressionismo, passando por Cézanne, pelo Cubismo e pelos movimentos “modernos” e contemporâneos de maneira geral, a arte deixou de ser apenas uma representação da realidade. No decorrer da história, a arte tornou-se, além de plástica, conceitual. E esse conceito em muitas vezes é mais importante do que a plástica. A arte tornou-se crítica. Não se interessa apenas pelo belo, a arte tem consciência. E essa linguagem crítica das artes talvez tenha ajudado a fazer com que os artistas além de produzirem também escrevam sobre suas obras e sejam seus próprios curadores e afins. Seguindo uma tendência que vem se fortalecendo, desde os anos 60, muitos artistas, escrevendo sobre suas produções artísticas ou sobre a arte de maneira geral, são responsáveis pelos textos mais expressivos de sua época. Dentre tantos exemplos podemos destacar o “Escritos e Reflexões Sobre a Arte” de Henry Matisse, vários textos de Marcel Duchamp e Kandinsky. E também as cartas de Cézanne e até mesmo de Van Gogh, que não são apenas crítico mas também poéticos. Seguem alguns trechos de textos de autoria de artistas plásticos que exemplificam de maneira expressiva os artistas escritores: “Gostaria que meus quadros dessem a impressão de que um ser humano passou entre eles, como uma lesma, deixando um rastro da presença humana e um traço dos acontecimentos passados, tal como a lesma deixa seu sulco. Creio que todo processo desse tipo de forma elíptica depende da execução do detalhe e de como as formas são refeitas ou colocadas levemente fora de foco para introduzir os traços da memória.” (Francis Bacon – 1955) Declarações (CHIPP) “Quando estou no meu quadro, não tenho consciência do que estou fazendo. Só depois de uma espécie de período de “conhecimento” é que vejo o que estive fazendo. Não tenho medo de fazer modificações, de destruir a imagem, etc., porque o quadro tem uma vida própria. Procuro deixar que esse mistério se revele. Só quando isso não acontece, há uma harmonia pura, um dar e tomar livre, e o quadro sai bom.” (Jackson Pollock – 1947) “Não trabalho a partir de desenhos ou esboços em cores. Minha pintura é direta. ... O método de pintar é o resultado natural de uma necessidade. Quero expressar meus sentimentos, e não ilustrá-los. A técnica é apenas um meio de chegar a uma declaração. Quando estou pintando, tenho uma idéia geral do que estou fazendo. Posso controlar o fluxo da pintura: não há acidentes assim como não há começo nem fim.”

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O QUE LEVA UM ARTISTA A PRODUZIR? 

Essa pergunta vem acompanhando a humanidade desde que a arte existe. Talvez no passado fosse mais fácil respondê-la. A arte era um ofício.
Com o advento de construtos como a fotografia, e com os ensinamentos do impressionismo, expressionismo, passando por Cézanne, pelo Cubismo e pelos movimentos “modernos” e contemporâneos de maneira geral, a arte deixou de ser apenas uma representação da realidade. No decorrer da história, a arte tornou-se, além de plástica, conceitual. E esse conceito em muitas vezes é mais importante do que a plástica.
A arte tornou-se crítica. Não se interessa apenas pelo belo, a arte tem consciência. E essa linguagem crítica das artes talvez tenha ajudado a fazer com que os artistas além de produzirem também escrevam sobre suas obras e sejam seus próprios curadores e afins.
Seguindo uma tendência que vem se fortalecendo, desde os anos 60, muitos artistas, escrevendo sobre suas produções artísticas ou sobre a arte de maneira geral, são responsáveis pelos textos mais expressivos de sua época.
Dentre tantos exemplos podemos destacar o “Escritos e Reflexões Sobre a Arte” de Henry Matisse, vários textos de Marcel Duchamp e Kandinsky. E também as cartas de Cézanne e até mesmo de Van Gogh, que não são apenas crítico mas também poéticos.
Seguem alguns trechos de textos de autoria de artistas plásticos que exemplificam de maneira expressiva os artistas escritores:
“Gostaria que meus quadros dessem a impressão de que um ser humano passou entre eles, como uma lesma, deixando um rastro da presença humana e um traço dos acontecimentos passados, tal como a lesma deixa seu sulco. Creio que todo processo desse tipo de forma elíptica depende da execução do detalhe e de como as formas são refeitas ou colocadas levemente fora de foco para introduzir os traços da memória.”
(Francis Bacon – 1955)
Declarações (CHIPP)
“Quando estou no meu quadro, não tenho consciência do que estou fazendo. Só depois de uma espécie de período de “conhecimento” é que vejo o que estive fazendo. Não tenho medo de fazer modificações, de destruir a imagem, etc., porque o quadro tem uma vida própria. Procuro deixar que esse mistério se revele. Só quando isso não acontece, há uma harmonia pura, um dar e tomar livre, e o quadro sai bom.”
(Jackson Pollock – 1947)
“Não trabalho a partir de desenhos ou esboços em cores. Minha pintura é direta.
... O método de pintar é o resultado natural de uma necessidade. Quero expressar meus sentimentos, e não ilustrá-los. A técnica é apenas um meio de chegar a uma declaração. Quando estou pintando, tenho uma idéia geral do que estou fazendo. Posso controlar o fluxo da pintura: não há acidentes assim como não há começo nem fim.”